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DIA DA HERESIA – Legalização do Aborto

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Bem vindos a mais um DIA DA HERESIA. Este é um espaço utilizado para se falar tudo que for relevante a respeito de um tema controverso específico que envolva a religião, apresentando minha opinião como ateu. O dia da Heresia ocorre todo terceiro domingo de cada mês.

E o tema desse mês será:

LEGALIZAÇÃO DO ABORTO

Este tema é provavelmente o mais polêmico envolvendo sociedade, legislação e religiosidade. Mesmo fora dos círculos religiosos, ele ainda suscita divergências. A legalização do aborto está longe de ser um assunto unânime mesmo entre ateus e agnósticos. Eu já vi descrentes defendendo o aborto em qualquer ocasião, em casos específicos ou condenando-o sob quaisquer circunstâncias.

O que é uma situação compreensível. Ao se debater o aborto, dois princípios muito importantes estão sendo colocados na balança: o direito à liberdade e o direito à vida. Discussões defendendo qualquer posição serão – e devem ser – sempre aprofundadas.

Nesse post eu tentarei apresentar meu ponto de vista sobre o assunto, mas já o faço com a certeza de que haverá quem discorde de mim. Em minha defesa, eu posso afirmar que, ao contrário dos religiosos, as conclusões que eu apresentarei aqui foram baseadas pura e simplesmente no racionalismo e no bom senso, mas se alguém sentir a necessidade de deixar seu pensamento a respeito do tema, sinta-se livre para utilizar o espaço de comentários abaixo.

Normalmente quando se envolve a religião neste assunto, longe de se examiná-lo racionalmente, se acaba por aplicar uma série de dogmas e crenças particulares, esperando-se que o Estado e o resto da sociedade os sigam como verdades absolutas. A situação em análise per se é ignorada, para se dar maior ênfase ao que uma determinada doutrina religiosa professa, ainda que sem nenhuma evidência para apoiá-la.

aborto

Essa imagem, veiculada em um site que desaprova o aborto, resume bem a maneira como alguns religiosos enxergam esse assunto: realizar um aborto é equivalente a assassinar uma criança inocente, e, portanto, deve ser proibido (e, aparentemente, a culpa da realização de abortos é dos cientistas). Não é difícil perceber que essa visão do tema não parece ter tido a preocupação de examiná-lo profundamente, apelando para a emotividade e/ou a fé cega para justificar seu posicionamento.

Para se fazer uma análise mais aprofundada do assunto, precisamos, primeiramente, deixar claro o que é o aborto. Embora possa parecer um conceito óbvio, sua simples definição já é relevante para que algumas pessoas se posicionem a seu respeito. Abortar ou interromper a gravidez é expulsar o embrião ou feto do útero materno, resultando em sua morte. Por envolver o término de uma vida em potencial, deliberado ou não, é obviamente um procedimento que demanda um grande debate ético.

Uma discussão sobre a ética diz respeito basicamente ao sofrimento. As ações tomadas por cada ser humano podem influenciar na vida dos outros, e as proporções e consequências dessa influência, se ela causa sofrimento ou não, são exatamente o campo de estudo da ética.

Portanto, não há necessidade de rodeios ou eufemismos aqui. Não vou tentar dourar a pílula e isso nem é necessário para chegar às minhas conclusões sobre o assunto: abortar é matar um ser vivo. E ponto. Mas, como eu tentarei demonstrar, em algumas situações, as mortes de seres vivos são justificáveis. A grande questão passa a ser, então, quando seria eticamente justificável fazermos isso.

Nesse sentido, talvez a mais relevante pergunta que se poderia fazer em relação ao tema é: por que alguém iria querer realizar um aborto? Conservadores extremistas podem argumentar que isso não deveria fazer diferença nenhuma no posicionamento a respeito da liberação do procedimento, já que, independente do motivo, uma vida humana está sendo retirada, e nada justificaria isso.

Esse pensamento já se mostra equivocado quando se constata que, independente do que se pense a respeito do aborto, existem sim motivos que justificam a retirada de uma vida humana. Nossa própria Constituição garante ao Estado o direito de aplicar a pena de morte em alguns casos extremos e o Código Penal prevê situações em que o ato de matar deliberadamente outro ser humano não pode nem ser considerado crime, como em casos de legítima defesa ou estado de necessidade.

Além disso, não é difícil conhecer pessoas que se posicionam ferrenhamente contra o aborto, mas defendem  a execução sumária da pena de morte a criminosos quando suas barbaridades são exibidas na mídia. Assim, pode-se perceber que o direito à vida passa a não ser uma coisa tão absoluta como afirmam, devendo ser aplicado a algumas pessoas, mas não a outras.

Pena de morte também é um assassinato, no entanto ninguém parece se importar muito com o direito à vida nesse caso.

Tecnicamente, a pena de morte também é assassinato, no entanto as pessoas parecem se importar muito menos com o direito à vida nesse caso.

As nossas leis atuais já prevêem a possibilidade de aborto em duas situações: quando a intervenção é necessária para se salvar a vida da mãe, ou quando a gravidez é resultante de um estupro, desde que tenha o prévio consentimento da gestante.

Embora a necessidade do procedimento pareça óbvia nas duas situações, ainda há religiosos que se opõem a ele mesmo nesses casos. Em agosto do ano passado, a presidente Dilma Rousseff sancionou uma lei que obrigava os hospitais a prestarem atendimento integral e interdisciplinar às mulheres vítimas de violência sexual. A lei garantia, entre outras coisas, o acesso a pílulas do dia seguinte, para evitar que as vítimas engravidassem do estuprador.

Não tardou muito para que grupos que se autointitulam como “pró-vida” ou “pró-família”, compostos em sua maioria por representantes evangélicos e católicos, surgissem diante do Palácio do Planalto em protesto, alegando que tal lei estaria legalizando o aborto no Brasil.

Não sei se esses grupos estavam mais motivados por má-fé ou por pura ignorância, mas o protesto deles logo de início já não fazia o menor sentido. O código penal, a lei que autoriza o aborto nos dois casos mencionados acima, existe desde 1940. Ao sancionar a nova lei, a presidente não estava tentando legalizar aborto nenhum, afinal eles já eram legalizados há 73 anos! Só se estava tentando regularizar uma forma de se cumprir de modo mais efetivo e seguro o que a legislação já autorizava.

Afinal, ainda que não ingerisse a pílula do dia seguinte, se uma gestante comprovasse que sua gravidez era resultado de um estupro, ela poderia abortar mais tarde, legalmente e através da rede pública, só que por meio de um procedimento bem mais caro para o Estado e traumatizante para todos, e com mais riscos à sua saúde. Ou seja, quem estava protestando contra a nova lei estava na verdade exigindo que o Estado gastasse mais dinheiro público com a saúde e ocupasse mais médicos desnecessariamente. Obviamente, os líderes religiosos por trás dos protestos tinham ciência disso, mas eles precisavam de uma causa supostamente nobre para consolidar o domínio sobre seus fiéis e estabelecer o poder de suas religiões sobre os políticos do país.

Manifestação de evangélicos "contra o aborto", no Palácio do Planalto - Givaldo Barbosa/O Globo

Manifestação de evangélicos “contra o aborto”, no Palácio do Planalto – Givaldo Barbosa/O Globo

Em qualquer país sério, esses dois casos em que o aborto já é permitido nem precisariam ser discutidos, mas como, aparentemente, alguns religiosos são obtusos demais para reconhecer sua necessidade, achei relevante tratar brevemente deles aqui também.

A interrupção da gravidez quando esta afeta a vida da gestante, por mais triste que seja, é autorizada e até incentivada pelo Estado por motivos lógicos e fáceis de serem compreendidos. Olhando-se de uma maneira puramente objetiva, para a sociedade de uma maneira geral, e, portanto, para o Estado, é muito mais vantajoso que, tendo que escolher entre a vida da mãe e a do feto, a primeira receba prioridade.

Uma mãe que engravidou já tem uma vida formada. Há grandes chances de se tratar de uma pessoa adulta, com uma família, uma história, um emprego e uma utilidade para a sociedade, ao passo que, sendo salvo em seu lugar, seu filho já cresceria sem um de seus genitores e ainda requereria uma série de investimentos, seja material, educacional ou de qualquer outra natureza, para chegar à mesma situação social que a mãe já possui. Sem contar que a mãe já estabeleceu vínculos emocionais com um grande número de pessoas: parentes, amigos, colegas de trabalho, vizinhos etc, enquanto um bebê ainda não nascido está vinculado basicamente a seus familiares. Até burocraticamente falando é mais fácil administrar a morte de um feto que a de um adulto formado, já que pessoas não nascidas não possuem sucessores ou bens para legar. Assim, analisando-se friamente, se a infeliz escolha entre a morte de um feto ou de sua genitora tiver que ser feita, ela parece ser óbvia.

Quanto à gravidez advinda de um estupro, qualquer um que defenda que a mãe deve ser obrigada a manter o filho, com certeza não possui a mínima empatia, a capacidade de se colocar no lugar da outra pessoa. Novamente os grupos “pró-vida” vêm afirmar que, independente do motivo, o aborto é um assassinato, uma crueldade, que eles são a favor da vida em qualquer situação… e ignoram completamente a situação da mãe nesses casos.

Afinal, se o aborto seria considerado por eles uma crueldade, também me parece ser imensamente cruel obrigar as mães a carregarem o filho de seu violentador no ventre durante nove meses, sentir as dores do parto por ele, investir boa parte de seu tempo e dinheiro nesse filho e criá-lo pelo resto da vida lembrando da violação e constrangimento pelos quais ela passou, cada vez que olhar para seu rosto. Para algumas mães a morte seria melhor que essa opção. Me pergunto se os integrantes do “pró-vida” continuariam pensando desta maneira se as mulheres nessa situação fossem suas mães, filhas ou irmãs. E imagino como seria a relação entre mãe e filho nesse caso. No final das contas poderia até acabar sendo uma crueldade também para a própria criança permitir que ela viesse ao mundo sob essas condições.

O que a mãe lembrará cada vez que olhar para o filho resultante de um estupro.

O que a mãe lembrará cada vez que olhar para um filho resultante de um estupro.

Pode ser que uma vítima de estupro tenha a grandeza de espírito de conseguir criar o filho da pessoa que a estuprou sem deixar que esse fato influencie em sua criação. Ou que uma gestante que corre risco de morte com sua gravidez tenha o altruísmo de se dispor ao sacrifício para garantir que seu filho nasça. Talvez elas consigam ser felizes assim, e, o que algumas pessoas parecem ser incapazes de compreender é que, se elas quiserem, elas podem tomar essas decisões.  A lei na verdade não obriga ninguém a realizar abortos. Ela só lhes dá a opção de realizarem o procedimento se acharem que devem fazê-lo.

Cada ser humano sabe o que lhe convém, o que eles aguentam ou o que não aguentam. E a única pessoa que deveria ter o direito de saber o que fazer com o feto em um caso de uma gravidez de risco ou resultante de um estupro é a mãe que carrega esse filho no ventre. Só ela sabe o que será capaz de suportar. E é por isso que os grupos que se opõem aos “pró-vida” intitulam-se como “pró-escolha”, não apoiando o aborto em si, mas a escolha da mulher. Eles não necessariamente querem que o aborto seja realizado, e sim que a gestante tenha o direito de decidir, seja pelo aborto ou pela manutenção do filho.

Assim, eu só posso supor que os extremistas e religiosos não são exatamente contra o aborto. Se fossem, para eles as leis não fariam diferença nenhuma. Quem acha que sua religião proíbe determinado procedimento simplesmente não o realiza, independente do que a lei diga. Não se vê nenhuma testemunha de jeová reclamando que a transfusão de sangue é permitida, ou judeus ortodoxos protestando contra a permissão de ingestão de carne de porco. Para eles, essas práticas são proibidas e eles simplesmente não as fazem. Da mesma maneira, nenhum religioso seria obrigado a realizar o aborto, mesmo nas situações permitidas por lei, se não quisesse. Porém, eles não querem que o contrário seja aplicável. Se alguma mulher não segue determinados preceitos religiosos e quer aplicar a lei, realizando o aborto, os religiosos a vêem como uma abominação, fazendo o possível para impedir o procedimento.

O que me parece então é que esses religiosos que se posicionam tão fervorosamente contra o aborto, mesmo nesses casos óbvios, estão longe de estarem interessados em defender a santidade da vida. Afinal, em um país onde a taxa de homicído é maior que a de alguns países em guerra civil, o que não faltam são outras áreas onde se poderia defender a vida sem maiores oposições. O que eles parecem querer é se posicionar contra a liberdade de escolha das mulheres, reforçando o papel submisso legado ao sexo feminino pela religião, ou impor à força seu ponto de vista sobre o resto da nação. É bem provável que, como o Dr. Dráuzio Varella já disse uma vez, “se os homens parissem, o aborto seria legalizado há muito tempo, e no mundo todo“.

A IURD deixa bem claro o entendimento que ela tem sobre o papel da mulher na sociedade

A IURD deixando bem claro o entendimento que ela tem sobre o papel da mulher na sociedade. Daqui.

Então, ok, isso cobre os casos de abortos permitidos pela lei. Mas, e quando a situação da gestante não se encaixa em nenhuma dessas previstas no Código Penal? Quando ela simplesmente está grávida e não deseja ter o filho? Nesses casos, posicionar-se a favor do abortamento não seria adotar uma posição meramente “pró-aborto”, ou a favor do assassinato de crianças inocentes?

Bom, aí a situação merece um outro tipo de análise. Como eu disse no começo do post, a discussão acerca do aborto é uma discussão ética, logo, requer o dimensionamento do sofrimento causado pela atitude em exame. Condutas como matar, roubar, caluniar ou quaisquer outros comportamentos proibidos por lei são eticamente reprováveis por um simples motivo: elas causam sofrimento a outras pessoas, em algum nível.

Para nos posicionarmos em relação à liberação do aborto então, teríamos que averiguar se ele causa algum tipo de sofrimento aos fetos abortados. E para fazermos isso objetivamente, temos que lançar mão da biologia.

O sofrimento é geralmente caracterizado como um sentimento de dor, infelicidade ou alguma emoção negativa advinda de determinada experiência. Mas para que o ser humano (ou qualquer outro ser vivo) consiga sentir isso, é necessário que ele seja dotado de membros ou sistemas orgânicos que permitam essas sensações.

No caso do homem, o responsável por essa área é o córtex cerebral, que também é a área que nos torna capazes de adquirirmos consciência. Se você consegue pensar em si mesmo como indivíduo, emitir opiniões, sentir dor, medo, prazer ou colocar-se no lugar de outras pessoas é somente porque você faz parte da espécie animal que possui o córtex cerebral mais desenvolvido do planeta.

Nos fetos, porém, o córtex não começa a se desenvolver desde o início da concepção. Na verdade, durante as três primeiras semanas de vida, o embrião não passa de um punhado de células. Quando, por exemplo, a pílula do dia seguinte atua no impedimento do prosseguimento da gravidez, o embrião nem pode ser chamado assim ainda, recebendo a denominação de mórula, que não passa de uma massa compacta de células.

A mórula. Segundo o entendimento da maioria dos religiosos, isso já é dotado de uma alma.

A mórula, expelida pela pílula do dia seguinte. Segundo o entendimento de alguns religiosos, isso já é assassinato.

O tubo neural, que dará origem ao cérebro e à medula só começará a se desenvolver no final de três semanas. No entanto, o sistema nervoso só pode ser considerado plenamente constituído muito depois. Uma pesquisa conduzida pelo Real Colégio de Obstetrícia e Ginecologia britânico aponta que até as 24 semanas de gestação os fetos não são capazes de sentir dor. Segundo o estudo, as ligações nervosas entre a periferia e o córtex não estão intactas antes desse período, e, mesmo depois das 24 semanas, o feto encontra-se naturalmente sedado, não tendo consciência, devido ao ambiente no interior do útero.

Portanto, qualquer procedimento que se realize em um feto no período anterior às 24 semanas de gestação não é capaz de causar nada que possa ser remotamente considerado como sofrimento, pelo menos não na concepção atribuída a esse termo quando ele é aplicado a seres humanos já formados e conscientes.

Embora os detalhes possam ser questão de debate, qualquer pessoa que veja a questão sob um ponto de vista objetivo não teria dúvidas de que o aborto deveria ser permitido desde que se estabelecesse um limite de tempo razoável para sua realização, digamos, nas primeiras 20 semanas. Essa conclusão é óbvia a partir do momento em que se percebe dois fatos: nesse período o embrião não irá passar por nenhum tipo de sofrimento se o aborto for realizado, e a gestante ou sua família passarão por algum tipo de sofrimento se ele não for. E a janela de tempo, cerca de 5 meses, é mais do que suficiente para a gestante e sua família formarem uma decisão ponderada a respeito.

Um outro aspecto que tem que ser levado em consideração é o da realidade social. Mesmo que a lei não autorize abortos fora dos casos ja mencionados, hoje em dia eles podem ser realizados facilmente, seja em clínicas clandestinas ou com procedimentos caseiros que colocam em risco também a vida da mãe. A exemplo da “guerra contra as drogas”, o fato de a lei não permitir que uma coisa seja feita não tem impedido sua prática pelas pessoas. Se uma mulher estiver grávida e quiser retirar o feto ela o fará, nem que para isso tenha que comparecer a uma clínica duvidosa ou usar um cabide ou agulha de tricô. Assim, a autorização legal para se realizar abortos dentro deste período razoável também serviria para reduzir o número de procedimentos ilegais e caseiros, evitando doenças e mortes desnecessárias em milhares de mulheres, que, além da ameaça à saúde à qual são expostas, hoje ainda correm o risco de serem presas ao realizar o aborto clandestinamente.

Quanto a procedimentos abortivos que tivessem que ser realizados depois desse período de tempo, uma análise mais rigorosa teria que ser realizada, mas utilizando os mesmos parâmetros a respeito do sofrimento. Quando o sistema nervoso do feto já estivesse formado ou em formação final, já haveria a possibilidade de ele sofrer com o aborto. Seria necessário então pesar se esse sofrimento seria justificável ou não diante do sofrimento que a família e o próprio bebê passariam se este nascesse. Afinal, vir ao mundo para ser rejeitado por seus pais, abandonado em uma instituição de adoção ou para passar necessidades em uma família que não tem como sustentar mais um filho pode não ser desejável diante da possibilidade de simplesmente nunca ter existido.

A partir desse ponto, entraremos em uma questão filosófica e metafísica sobre a qual fica mais difícil extrair conclusões incontestáveis. Até mesmo Shakespeare já tinha percebido a complexidade da decisão entre a existência e a não existência quando publicou em seu clássico Hamlet a frase mais famosa da literatura mundial: “Ser ou não ser, eis a questão“.

Será que seria realmente melhor para um feto nascer em meio a um possível sofrimento ou miséria do que simplesmente nunca ter existido, como alguns religiosos afirmam?

Nascer em meio à miseria ou ser abandonado em um orfanato é melhor do que nunca ter existido? Uma questão filosófica difícil de ser respondida.

Nascer em meio à miséria ou ser abandonado em um orfanato é melhor do que nunca ter existido? Uma questão filosófica difícil de ser respondida.

Para muitas pessoas, o simples fato de se estar vivo, existindo, não parece ser o suficiente. Certas condições básicas de satisfação precisam ser alcançadas enquanto se existe. Que o digam as milhares de pessoas que buscam diariamente a eutanásia ou que tentam o suicídio. Se eu, particularmente, quando fosse um feto, tivesse a opção de escolher conscientemente entre vir ao mundo para passar por uma série de dificuldades ou nunca existir, ficaria em profunda dúvida sobre o que escolher. Novamente, o nível de sofrimento imposto em cada condição é que irá ditar a escolha mais apropriada.

No entanto, eu imagino que, mais uma vez, uma escola de pensamento fundamentalista ou religiosa não veria dificuldades em se posicionar. “Ora, é claro que viver, ainda que em péssimas condições, é melhor do que estar morto”, diriam eles. Afinal, uma das frases que mais se ouve entre os opositores do aborto é que “todas as pessoas a favor do aborto tiveram pelo menos a chance de nascer. Quem foi abortado, nem isso”.

Um vislumbre do tipo de pensamento disseminado pela religiosidade pode ser visto na edição do periódico Correio Espírita publicada nas bancas neste mês de maio. A reportagem de capa, escrita pelo Dr. Americo Domingos Nunes Filho, tratando do aborto, traz afirmativas que evidenciam o modo como alguns religiosos se posicionam a respeito do tema.

Capa do periódico Correio Espírita de maio de 2014

Capa do periódico Correio Espírita de maio de 2014

Logo no começo da matéria, o ilustríssimo doutor compara o aborto de um feto de 14 semanas à retirada de uma criança da proteção e do calor de sua residência em uma noite escura e gelada para matá-la a pauladas. E segue equiparando as duas situações, afirmando coisas como:

“[…] O episódio descrito demonstra a incapacidade de algumas pessoas de sentirem piedade de outro ser humano e utilizam argumentos fúteis no sentido de tentar explicar 0 2º crime [o aborto], situando-o como diferente do 1º; contudo, a realidade revela absoluta igualdade nos dois trágicos eventos. Dois seres infantis foram mortos brutalmente […]”

Não é difícil perceber o tom de proselitismo adotado nesse discurso. Difícil mesmo é ignorar a forma como o autor  distorce a realidade, tentando forçar duas situações completamente diferentes a serem vistas como semelhantes, apenas para tentar provar seu ponto de vista.

Ora, se, como já foi demonstrado, embriões com 14 semanas de desenvolvimento não são nem mesmo capazes de sentir dor, não há como comparar seu aborto com uma morte a pauladas. E os médicos que realizam o procedimento também não teriam como infligir sofrimento, ainda que quisessem, logo não há o menor sentido em dizer que eles não sentem piedade, tampouco pode se considerar isso como um assassinato brutal.  Aliás, desconsiderando-se doutrinas religiosas, não há nem de se falar em “outro ser humano”, já que dificilmente se poderia considerar um grupo de células que não possui sistema nervoso formado como “humano”. O que se considera como humano também pode ser uma questão filosófica complexa, mas eu diria que a existência de um cérebro para abrigar a consciência de si e dos outros e possibilitar os sentimentos e pensamentos seria um pré requisito para essa conceituação.

Fica óbvio que, ao considerar o tema do aborto, os espíritas não se preocupam em incluir as condições do feto na equação, somente suas crenças sobrenaturais. Isso se torna ainda mais evidente quando se percebe que eles defendem a manutenção de fetos anencéfalos no ventre da mãe até o nascimento, sob argumentos vagos como “tudo no universo ocorre por um motivo”, “a fatalidade da morte após o renascimento os reconduz ao mundo espiritual” ou com a desculpa de que, mesmo com apenas uma parte do cérebro o bebê é capaz de viver por algumas horas após a morte. Alegações hipotéticas ou irrelevantes como essas prevalecem sobre o fato indiscutível de que um bebê que nasce sem cérebro ou só com parte dele está fadado a morrer causando enorme sofrimento, não só à própria criança, que provavelmente passará por imensa agonia até perecer, mas também a seus pais e familiares, que terão que assistir a seu filho morrer em dor sem poder fazer nada. Sem contar o risco para a gestante, que aumenta a cada dia que a gravidez anencéfala é levada adiante.

A ausência de atividade cerebral aliás, é entendida pela lei brasileira como a caracterização do momento em que a vida se acaba. É por esse motivo que pacientes com morte cerebral podem ser considerados tecnicamente como mortos, mesmo que o restante de seu organismo seja mantido ativo por meio de aparelhos. Se um ser humano completo, formado, com família e uma história de vida não pode ser considerado vivo sem atividade cerebral, quem dirá um feto.

O posicionamento das religiões brasileiras majoritárias contra o aborto também não conta com fundamentos muito mais convincentes para se justificar, ignorando qualquer tipo de racionalização sobre o tema e valendo-se apenas de crenças no sobrenatural. Passagens da Bíblia, a suposta palavra divina legada à humanidade, ou chavões religiosos são citados a torto e a direito como argumentos: “O sexto mandamento divino nos proíbe de matar“. “Deus abomina o assassinato de crianças inocentes“…

Talvez fizesse bem aos cristãos reexaminar essa imagem de um Deus amoroso para com as crianças, considerando-se que o próprio livro sagrado deles nos dá exemplos de atitudes divinas que parecem não demonstrar muita preocupação de Deus para com as crianças inocentes. Afinal, um deus que supostamente já exterminou toda a humanidade através de afogamento, inclusive crianças e bebês, já matou todos as crianças primogênitas de um país inteiro e já mandou duas ursas destroçarem 42 crianças só porque elas chamaram um careca de careca, não me parece estar particularmente preocupado com o bem estar ou segurança de crianças inocentes.

O modo Jeová de lidar com crianças inocentes. Esperemos que nossos governantes não sigam esse exemplo.

O modo Jeová de lidar com crianças inocentes. Esperemos que nossos governantes não sigam seu exemplo.

Aliás, a existência de uma divindade que se importasse muito com o destino de “fetos inocentes” tornaria muito difícil explicar o fato de que a imensa maioria dos abortos em seres humanos acontece espontaneamente, por mero capricho da natureza, ocorrendo em 30 ou 40% do total de gestações, às vezes mesmo quando a própria gestante não sabia que estava grávida. Mas é claro que isso não impede os crentes de realizarem acrobacias mentais na tentativa de encontrar justificativas para isso. Segundo eles, “Deus escreve certo por linhas tortas” ou “Deus dá a vida, então cabe a ele tirar“. Não me parece fazer muito sentido. Eu, particularmente, não vejo porque alguém que, por exemplo, gostasse muito de carros, teria motivos para destruir 40% da matéria prima na linha de produção de uma fábrica de automóveis, mas… eis o mistério da fé!

Felizmente ainda vivemos em um país laico, então o Estado não pode se utlilizar de argumentos teológicos ou interpretações de textos supostamente sagrados como base para sua legislação, somente dados científicos comprováveis.

Pelo menos até o domínio total da bancada evangélica no Congresso. Já estou até sentindo pena de quem tenha um útero no momento em que isso acontecer.

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Sexo & Religião

“Amor é Cristão

Sexo é Pagão[…]

Amor é divino,

Sexo é animal.”

Cada ser humano é único. Todos temos uma visão de mundo singular, em relação a qualquer tema. E com o sexo não poderia ser diferente. As formas de se encarar as relações sexuais são tão variadas quanto o número de indivíduos da raça humana.

E, como deixa claro este trecho acima da música “Amor E Sexo” da Rita Lee (composta com base nesse artigo do Arnaldo Jabor), muitas vezes, quando se segue uma religião, suas crenças podem interferir na forma de se enxergar este assunto.

Desde que foi inventada pelo ser humano, a religião tem a pretensão de se imiscuir em todas as esferas da vivência humana. Líderes religiosos de diferentes crenças já ousaram ditar a maneira correta de se vestir, de comer, do que falar e o que pensar. E o sexo, por sua vez, também nunca esteve ausente da lista de preocupações religiosas.

Segundo alguns estudiosos de egiptologia, o Papiro de Turim, um dos primeiros registros de elementos sobrenaturais da história, aparentemente é também o primeiro manual de sexo da história. Com várias imagens de atividades sexuais, possivelmente focadas na realeza egípcia, o papiro mostra que as crenças religiosas dos egípcios e suas atividades eróticas já estavam bastante interligadas. Outros documentos sugerem ainda que os egípcios acreditavam que o mundo foi criado por seus deuses através do sexo e da procriação.

Cenas eróticas presentes no Papiro de Turim

Cenas eróticas presentes no Papiro de Turim

Já o hinduísmo vê o kama (prazer, desejo) como um dos quatro objetivos do ser humano em vida. A atividade sexual é permitida e até incentivada, como forma de se alcançar a moksha (libertação, iluminação). Foi com base nessa filosofia que teve origem o famoso manual sexual Kama Sutra, escrito provavelmente no século 2 d.C.

O islamismo também não ficou atrás em termos de orientação sexual a seus adeptos. O Jardim Perfumado, ou O Jardim das Delícias, é um outro manual sexual, escrito pelo xeique Muhammad Al-Nafzawi entre os anos de 1410 e 1434, por encomenda do sultão Abd Al-Aziz Abu Faris, e apresenta uma lista de qualidades que homens e mulheres devem ter para serem considerados atraentes e também dá dicas e conselhos sobre posições e atividades sexuais, além de receitas para tratar e evitar algumas doenças sexualmente transmissíveis.

E, como não podia deixar de ser, as religiões judaico-cristãs também têm suas próprias orientações e determinações relacionadas ao sexo. Já no Gênesis, o primeiro livro da Bíblia, Jeová demonstra a enorme importância que ele dá aos pênis de seus subordinados – ou pelo menos a uma parte deles – ordenando que todos os homens da tribo de Abraão sejam circuncidados, tendo seus prepúcios cortados:

“Esta é a minha aliança, que guardareis entre mim e vós, e a tua descendência depois de ti: Que todo o homem entre vós será circuncidado.”

Gênesis 17:10

Daí pra frente, a Bíblia passa a oferecer uma série de ordens, proibições e orientações quanto à prática sexual.

Tendo sido escrita em boa parte pelos hebreus, um povo que possuía uma estrutura social extremamente patriarcal, a Bíblia acabou absorvendo muito da visão de mundo machista existente à época de sua elaboração, tratando as mulheres basicamente como chocadeiras que serviam apenas para trazer mais filhos (de preferência varões) ao mundo. Nesse ponto é curioso observar que, sempre que um casal bíblico sofre a tragédia de não conseguir gerar filhos, a culpa é exclusivamente da metade feminina do casal.

Esse desprezo à feminilidade já fica nítido nos primeiros capítulos do livro sagrado. Enquanto o homem é criado a partir do barro pelo sopro da vida dado pelo próprio Criador, a mulher é oriunda de uma mera costela do homem. É também por culpa da mulher, influenciada pela serpente, que o homem comete o pecado original ao comer do fruto proibido da árvore do conhecimento e acaba sendo expulso do paraíso. As subsequentes pregações da submissão da mulher ao homem passam a ser então justificadas por conta desta transgressão e são deixadas bem claras pelo texto bíblico:

“E à mulher [o Senhor] disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua conceição; com dor darás à luz filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará.”

Gênesis 3:16

Como se pode perceber, o deus Hebraico faz questão de, desde o início do mundo, deixar bem evidente para seus fiéis que as mulheres devem ser sempre submissas aos homens. Isso explica a naturalidade com que a Bíblia tolera ou até ordena situações como a escravidão sexual de mulheres, a oferta de mulheres para casamento sem o consentimento da noiva, a permissão da poligamia somente para o lado masculino da relação e o apedrejamento de mulheres adúlteras (a bem da verdade o Levítico também manda apedrejar os homens que cometem adultério, mas somente se a mulher com quem ele cometeu também era casada, o que me leva a deduzir que se ele o tivesse feito com uma solteira não haveria problema, logo, na verdade, a ofensa dele foi ao marido da adúltera, não à sua própria esposa).

Essa visão misógina da Bíblia causa reflexos até hoje na sociedade. Muitos homens crescem acreditando que o prazer sexual é exclusividade do universo masculino e que as mulheres não podem demonstrar vontade de fazer sexo. Ela ajuda a explicar também a percepção que nossa sociedade tem da obrigação feminina de se manter casta ou de encobrir sua sexualidade, como demonstra a recente pesquisa feita pelo IPEA em que 65% dos entrevistados afirmaram que mulheres que usam roupas que exibem o corpo merecem ser estupradas.

Aliado a esse ponto de vista androcêntrico, o conservadorismo cristão também acabou tendo grande influência na maneira como a sociedade ocidental encara as relações sexuais. Com o crescimento do poder da Igreja Católica na Idade Média, a atividade sexual passou a ser vista somente como um meio de se reproduzir. Tudo o mais que fosse relacionado ao sexo e não tivesse essa finalidade, inclusive o prazer, era considerado pecado.

Segundo São Paulo, a posição do missionário (papai-e-mamãe) é a única adequada, pois sujeita a esposa ao marido.

Segundo São Paulo, a posição do missionário (papai-e-mamãe) é a única apropriada para o sexo, pois sujeita a esposa ao marido.

Esse modo de pensar decorria da interpretação de diversas passagens bíblicas que supostamente indicam como, quando e porque o sexo deve ser feito.

O grande problema nesse caso é que, como quase tudo na Bíblia, essas passagens não são tão diretas assim, estando sujeitas a diferentes interpretações. O que alguns leitores do texto sagrado veem como proibido pode parecer permitido a outros.

Na Idade Média isso era fácil de resolver: o que o Papa ou a cúpula da Igreja achavam que era o certo, passava a ser o certo e ponto. Por isso quando a Igreja afirmava que, por exemplo, a masturbação era proibida por ser decorrente do vício da luxúria, ou que usar decotes pronunciados era sintoma de bruxaria, ninguém ousava questionar.

Porém, a partir do momento em que as interpretações da Igreja e do Clero deixaram de ser absolutas, as análises sobre o verdadeiro significado das ordens bíblicas também passaram a ser das mais diversas. E em um país onde 87% da população segue religiões que veem a Bíblia como a palavra divina, isso pode, no mínimo, causar alguns conflitos, inclusive em relação à orientação sexual.

O que vou dizer agora pode vir como uma surpresa para alguns leitores do blog, mas eu faço parte de um site gospel de discussões religiosas, o gospelmais.com.br. O motivo para eu participar desse site são variados (e não, pregar o ateísmo não é um deles), e nem vêm ao caso agora.

O que é relevante para o que eu quero discutir nesse post é a preocupação que eu vejo em alguns religiosos de se estar agradando ou não à sua entidade divina ao se praticar determinados comportamentos sexuais.

Algumas dúvidas dos crentes em relação ao sexo.

Algumas dúvidas dos crentes em relação ao sexo, expostas no site.

E olha que essas acima nem são as perguntas mais absurdas com que eu já me deparei…

Isso demonstra o quanto, mesmo em plena era da informação, algumas pessoas ainda se deixam influenciar pelas doutrinas religiosas em seu comportamento sexual (na verdade em todo tipo de comportamento, mas, bem, hoje o post é só sobre sexo). E isto pode ser extremamente nocivo em alguns casos, fazendo com que as pessoas sofram traumas psicológicos em virtude de possíveis repressões, ou ocasionando uma gravidez indesejada ou, pior ainda, a contração de doenças sexualmente transmissíveis, apenas por se seguirem determinados dogmas religiosos.

Imagina se todos os jovens pensassem dessa maneira ao iniciar a vida sexual...

Imagine se todos os jovens considerassem essa orientação religiosa como correta ao iniciar a vida sexual…

Com isso, a ótica religiosa em relação ao sexo acaba, por vezes, fazendo inconsequentemente com que um ato que deveria trazer prazer e fortalecer as relações amorosas se transforme em uma obrigação ou em um risco.

Além dos problemas particulares que essa visão de mundo pode acarretar, há ainda os males sociais que podem ser causados por ela. Acreditar que o sexo deve ser feito desse ou daquele modo por ordens de Deus é o que muitas vezes leva as sociedades a adotarem regras e costumes retrógrados como a proibição do aborto a vítimas de crimes sexuais, a “cura” gay, ou a infibulação. Isso até seria aceitável se os religiosos seguissem essas regras e deixassem os outros se comportar da maneira que achassem melhor, porém, como costuma ocorrer nesses casos, não contentes em seguir um determinado modo de vida, eles acham justo determinar a todo o resto da sociedade a maneira certa de se comportar, inclusive a quem não tem nada a ver com suas crenças religiosas.

Na verdade, os problemas que a religião pode trazer na esfera sexual têm a mesma causa dos problemas que ela pode trazer em qualquer outra área: o fato de se imaginar que se deve agir de determinada maneira por conta de uma suposta vontade divina revelada. Assim, o que determina se algo é certo ou errado acaba sendo sempre o que doutrinadores de uma religião acham que seja certo ou errado, não a situação per se.

Afinal, fazendo uma análise objetiva da coisa, qual é exatamente o problema de se fazer sexo com uma borracha em volta do órgão genital? Ou de se praticar sexo anal? Ou sexo a três? Ou sexo com pessoas do mesmo gênero? Pergunte a qualquer pessoa religiosa qual é objetivamente o problema de qualquer dessas situações, uma vez que os parceiros sexuais estejam de acordo e não causando mal a ninguém fora da relação, e a resposta será sempre a mesma: Deus não gosta; Deus não quer; Deus proíbe.

Assim, o comportamento analisado ou suas consequências pouco importam para se classificá-lo como certo ou errado. A única argumentação apresentada é a certeza de que se conhece exatamente as vontades e aspirações divinas. E como essa vontade é conhecida? O líder da religião que a pessoa segue (ou algum outro seguidor) afirma que é dessa maneira que devemos interpretar uma parte específica de um livro escrito há 3.000 anos por uma tribo hebreia do deserto que possuía uma cultura completamente diferente da nossa, dizendo o que a divindade deles achava do assunto. Parece um comportamento razoável?

Um ótimo exemplo de como algumas pessoas "concluem" o que se pode ou não fazer no sexo.

Um ótimo exemplo do único modo de que algumas pessoas dispõem para “deduzir” o que se pode ou não fazer no sexo.

Bom, podem me chamem de liberal, de radical, de moderno, o que for, mas eu parto do seguinte princípio: se alguma atividade sexual, seja qual for, faz com que seus praticantes se sintam felizes e não prejudica a ninguém, ela pode ser livremente exercida. Qualquer análise além disso está arriscada a parecer loucura. E nesse ponto, acho que a Rita Lee também concordaria comigo:

“Mais louco é quem me diz

Que não é feliz,

Não é feliz.”

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Leitura Recomendada – A Bíblia Sagrada – Parte 3

Continuação dos posts anteriores. Veja as partes precedentes aqui: parte 1 e parte 2.

A RELIGIÃO NOVA DO IMPERADOR

No post anterior, paramos a história da Bíblia em um momento em que o cristianismo estava em expansão pelo mundo. No século IV, um acontecimento fez com que essa expansão tomasse uma velocidade nunca antes alcançada. Um imperador de Roma, Constantino, converteu-se à nova religião.

Estátua representando o Imperador Constantino

Estátua representando o Imperador Constantino

Embora algumas pessoas especulem que Constantino somente utilizou o cristianismo como fator de unificação em uma Roma multirracial e multirreligiosa, é provavel que ele já simpatizasse com a religião mesmo antes de alcançar o poder. Sua mãe era cristã e o nome de sua irmã, Anastácia, vinha do grego e significava “ressurreição”. Depois de uma vitória sobre seu adversário Maxêncio em 312 d.C., Constantino se tornou imperador da parte ocidental do Império Romano e um ano depois já começou a modificar a política religiosa de Roma de modo a favorecer os cristãos. Estes passaram a ser livres para seguir a religião que quisessem, não sendo mais obrigados a seguir as religiões oficiais do Império e as igrejas confiscadas pelos imperadores anteriores foram devolvidas.

Em 324 d.C., após mais uma vitória militar, Constantino  se tornou imperador de todas as terras do Império Romano e seguiu implantando sua religião. E isso fez com que a Bíblia fosse profundamente modificada. A pressão de Constantino levou os mais influentes bispos cristãos a se reunirem no Concílio de Nicéia em 325 d.C. e ali surgiu o cânone do cristianismo. Nesse concílio foi decidida a lista oficial de livros que seriam considerados inspirados por Deus e passariam, então, a compor a Bíblia.

Essa escolha teve bases teológicas, mas uma boa parte dela também foi tomada com as consequências políticas em mente. Um grupo de cristãos queria afirmar seu poder e autoridade sobre os outros. E o grupo que saiu vencedor dessa disputa foi o de cristãos apostólicos, que foram os que escolheram os evangelhos atuais para representar a biografia de Cristo.

Com essa escolha, alguns evangelhos que eram seguidos por outros grupos de cristãos como os docetas, ebionistas e outras seitas foram excluídos do cânone bíblico. Esses textos excluídos ganharam o nome de “apócrifos”, que em grego significa “o que foi ocultado”. A maioria desses textos se perdeu, já que a Igreja não tinha interesse em mantê-los para a posteridade. Mas graças a recentes descobertas arqueológicas, alguns deles vieram à tona.

OS TEXTOS APÓCRIFOS

Depois da morte de Jesus, muitos seguidores do cristianismo passaram a escrever sobre a vida do nazareno. Assim como ocorria nos evangelhos oficiais, a maior parte dos autores dessas histórias não tinha conhecido Jesus ou seus seguidores pessoalmente e escreviam para corroborar suas próprias concepções religiosas, de acordo com o que mais lhes convia.

Assim, antes da escolha dos evangelhos oficiais pelo Concílio de Nicéia, havia vários outros circulantes na região. Os quatro principais evangelhos apócrifos são: o protoevangelho de Tiago, o evangelho da infância de Tomé, o Evangelho de Tomé e o evangelho de Judas.

Textos apócrifos encontrados em Nag Hammadi, Egito

Textos apócrifos encontrados em Nag Hammadi, Egito

Embora não sejam considerados oficialmente como parte da Bíblia esses evangelhos são fontes de algumas tradições consagradas pelos cristãos. Os nomes dos pais de Maria (Joaquim e Ana), por exemplo, só aparecem nos textos apócrifos. Boa parte de seu conteúdo, no entanto, apresenta uma enorme divergência doutrinária para com o restante dos ensinamentos cristãos atuais, e foi justamente por isso que ficaram de fora da Bíblia oficial. Tomé, por exemplo, retrata Jesus mais como um guru místico, espalhando ensinamentos misteriosos do que como um Messias divino.

O texto apócrifo mais polêmico no entanto, é um que foi encontrado no Oriente Médio em 1886. Escrito por uma certa “Maria”, que muitos acreditam ser Maria Madalena, o texto é bem feminista, atribuindo à tal Maria uma posição de destaque tão importante quanto a de Pedro e dos outros apóstolos. Esse texto deu origem a várias teorias da conspiração que afirmam que Madalena na verdade era casada com Jesus, e que eles chegaram a ter filhos juntos.

Embora alguns escritores como Dan Brown tenham utilizado essas ideias para arrecadar milhões de dólares com best-sellers, a verdade é que a relação entre Cristo e Madalena não é deixada clara em nenhum dos evangelhos apócrifos. Assim como nos originais, esses textos parecem ter sido escritos muito depois dos eventos que narram, por grupos cristãos que tinham seus próprios interesses teológicos e políticos. Assim, Maria Madalena poderia estar sendo usada somente como porta-voz de alguns críticos das lideranças religiosas da época.

A BÍBLIA LATINA DE ROMA

Após a conversão do imperador Constantino, o eixo do cristianismo se deslocou do Oriente Médio para Roma. Porém, a língua oficial do Imperio Romano era o latim, não o grego ou hebraico, línguas utilizadas pela maioria dos autores bíblicos. Então, para completar a romanização do cristianismo, faltava um passo. Traduzir a palavra de Deus para o latim.

A missão coube ao teólogo Heusebius Hyeronimus, conhecido hoje em dia como São Jerônimo. Como ele foi incubido de traduzir o Antigo e o Novo Testamentos, ainda teve que aprender hebraico, e, por isso, o trabalho de tradução levou 17 anos para ser finalizado. Mas seus esforços renderam frutos, dando origem à Vulgata, a Bíblia latina, que até hoje é o texto bíblico oficial utilizado pela Igreja Católica.

A Vulgata era tão influente que até os erros de tradução cometidos por São Jerônimo eram relevados. Em uma passagem do Êxodo que descreve o semblante do profeta Moisés, por exemplo, São Jerônimo escreveu em latim “cornuta esse facies sua”, que significa “sua face tinha chifres”. Na verdade São Jêronimo confundiu a palavra hebraica “karan”, que pode significar tanto “chifre” quanto “raio de luz”. A septuaginta apresenta a frase correta: o profeta tinha o rosto iluminado, não chifrudo. Apesar disso, a Vulgata era tão respeitada que artistas como Michelangelo levavam passagens como essa a sério, a ponto de, séculos depois, o escultor renascentista ter esculpido uma estátua representando o profeta Moisés com chifres, que o Vaticano mantém exposta até hoje, na igreja de San Pietro in Vincoli.

Moisés de Michelangelo e seus chifres bíblicos

Moisés de Michelangelo e seus chifres bíblicos

A vulgata reinou absoluta durante séculos. Até a idade média não havia outra tradução do texto bíblico e, assim, basicamente só o clero – que era alfabetizado em latim – tinha acesso direto à palavra divina. Até que uma invenção revolucionária mais uma vez mudou a relação da humanidade com os textos sagrados cristãos. A imprensa.

A BÍBLIA NA LINHA DE PRODUÇÃO

Até Gutenberg inventar o tipo mecânico móvel para imprensão, em 1455, a Bíblia era disseminada somente através de cópias feitas à mão. Porém, diferentemente dos textos que deram origem ao livro sagrado, essa tarefa de copiar foi centralizada pela Igreja, ficando a cargo dos monges copistas. Esses monges raramente saíam dos mosteiros e passavam a vida copiando e catalogando os manuscritos bíblicos. A ideia da Igreja era manter o controle do conteúdo da Bíblia, evitando que erros e divergências surgissem nos textos sagrados, como costumava ocorrer com os papiros bíblicos originais.

Mas, ainda assim, o fator humano no processo fazia com que erros ocasionais e propositais acabassem surgindo nos textos. Em alguns trechos, por exemplo, palavras que podiam significar “pederasta”, “masturbador” ou “estuprador”, acabavam virando simplesmente “homossexual”. Cada copiador escolhia a palavra que achava mais conveniente à ocasião.

Porém tudo isso mudou com a invenção de Gutenberg, que permitia produzir várias cópias de uma obra em série e cujo primeiro trabalho de imprensão foi justamente o de um exemplar da Bíblia. A partir de então ninguém mais dependia dos monges copistas para disseminar as palavras divinas. O foco então passou a ser outro: traduções.

Um dos modelos de prensa móvel, invenção de Gutenberg

Um dos modelos de prensa móvel, invenção de Gutenberg

Uma das três cópias restantes das Bíblias impressas por Gutenberg, em exibição na Biblioteca do Congresso, Washington, EUA.

No ano de 1522 o pastor Martinho Lutero usou a imprensa para divulgar em massa sua tradução da Bíblia feita diretamente do hebraico e do grego para o alemão. Foi a primeira conversão do texto sagrado para uma língua moderna. Em seguida, o britânico Willian Tyndale traduziu os textos bíblicos originais para o inglês. Essas versões serviram de combustível para a reforma protestante. Como não precisavam mais do intermédio da Igreja para publicar suas versões da Bíblia, os tradutores passaram a moldar as palavras sagradas a seu próprio entendimento. Tyndale, por exemplo, traduzia a palavra grega “ecclesia” como “congregação”, em vez de “igreja”, como afronta ao Vaticano. Desnecessário dizer que depois disso Tyndale foi queimado vivo sob a acusação de heresia.

Seguindo as ideias dos reformistas protestantes, no início do século XVII surgiu uma versão da Bíblia em espanhol, conhecida como Reina-Valera, traduzida diretamente do hebraico, aramaico e grego para o castelhano. Essa tradução foi usada como base para a primeira versão em português da Bíblia, feita por João Ferreira de Almeida e publicada em 1743. Hoje, no entanto, a tradução considerada oficial pela Igreja é a da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, publicada em 2001 e feita com base na Nova Vulgata, que por sua vez é uma atualização da Vulgata de São Jerônimo, feita por recomendação da Santa Sé em 1965 após o Concílio Vaticano II.

Então, ao folhear a Bíblia, independente de se acreditar estar lendo a palavra de Deus ou não, de uma coisa se pode ter certeza: diretamente de Deus essa palavra não veio. Na verdade ela já percorreu um longo caminho até chegar às nossas mãos, em nossa língua moderna:

Se você tem uma Bíblia em português em mãos, foi – no mínimo – esse caminho que ela percorreu até chegar aí.

Hoje em dia, milhares de versões diferentes da Biblia já foram lançadas, em todas as línguas imagináveis. Aparentemente há até uma versão em klingon e a tradução para a língua élfica quenya já está sendo providenciada.

Depois de tantos séculos de versões, contra-versões, censuras, acréscimos e traduções, fica difícil – se não impossível – dizer que alguém tem atualmente uma versão correta da Bíblia em mãos. Afinal, se alguém imagina que Deus realmente legou suas palavras à humanidade, como decidir qual versão dessas palavras exprime exatamente o que Ele quis dizer?

A verdade é que hoje a Bíblia é utilizada muito mais como instrumento de controle econômico, social e político do que como base teológica. Atualmente, qualquer grupo pode interpretá-la com o propósito que achar mais conveniente, moldando as supostas palavras divinas a seu próprio interesse.

E esta é a verdadeira importância de se conhecer profundamente a Bíblia, tanto em seu conteúdo quanto em sua história, seja o leitor crente ou descrente. Quando pessoas mal intencionadas começam a escolher passagens bíblicas específicas, ignorando outras inadequadas, ou a distorcer palavras que outras pessoas acreditam ser oriundas de uma entidade divina, passam a ser imbuídas de muito poder. E poder sem controle nunca se mostrou uma coisa benéfica para a humanidade.

E mesmo que não se faça parte de nenhum sistema religioso organizado, esse poder acaba influenciando em sua vida. Em pleno século 21 há, por exemplo, líderes religiosos que renegam a Teoria da Evolução, por contradizer o que uma tribo do deserto que não sabia nem o que era uma bactéria escreveu há mais de 2.000 anos. Há quem use a Bíblia para justificar o preconceito contra homossexuais e ateus, esquecendo que esse mesmo livro era usado para justificar o preconceito contra os canhotos na Idade Média. E um grande número de religiosos se utiliza dos textos bíblicos para conseguir lucros exorbitantes ao custo da miséria de outras pessoas, ainda que a própria Bíblia pregue o desapego a bens materiais em algumas passagens.

A meu ver, longe de mostrar à humanidade um vislumbre do pensamento divino, a Bíblia parece expor muito mais os reflexos da própria mente humana ao longo de sua existência. Para o lado bom e para o ruim.

I.S.B.N.: 978-85-349-0228-1 (Versão consultada para estes posts)

Título: Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Autor: Vários

Editora: Paulus – 15/04/1990

Origem: Brasil

N° de páginas: 1584

Dimensões: 19 x 13,7 x 4 cm

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Leitura Recomendada – A Bíblia Sagrada – Parte 2

Continuação do post anterior. Veja a primeira parte aqui.

A VINDA E A VIDA DO MESSIAS

Paramos a história da Bíblia em um ponto que viria a trazer fundamentais mudanças não só para as escrituras, mas para a própria humanidade. A vinda de Jesus Cristo ao mundo.

As escrituras sagradas hebraicas que circulavam por Canaã já previam a chegada de um Messias que iria governar o mundo e devolver a paz aos homens. Para os cristãos atuais, esse Messias foi o próprio Jesus Cristo, o filho de Deus, gerado pelo Espírito Santo.

A comunidade judaica, porém, não reconhece Jesus como o Messias prometido, e continua aguardando sua vinda. Por isso os judeus não admitem o novo testamento como parte das escrituras sagradas, já que ele foi escrito com base nos ensinamentos de Cristo. Para eles, os textos sagrados se resumem ao Antigo Testamento e ponto. Aliás, para os judeus nem faz sentido o uso desses termos – Antigo e Novo Testamento – já que em seus textos sagrados, que eles chamam de Tanakh, só há o conteúdo do primeiro.

Para os cristãos, no entanto, a chegada do Messias ao mundo é uma narrativa universalmente conhecida. Pare qualquer adepto do cristianismo na rua e pergunte a ele como foi o nascimento de Jesus e você provavelmente vai ouvir essa história: no dia 25 de dezembro do ano um, uma estrela brilhante surgiu no céu e guiou os três reis magos a um presépio em Belém, onde Maria, uma virgem fecundada pelo próprio Espírito Santo, deu à luz um menino, na manjedoura, entre os bichinhos do presépio. Então, cada um dos três reis magos entregou um presente a Jesus. Depois a sagrada família teve que fugir para o deserto porque o rei Herodes mandou matar todas as crianças com menos de dois anos, com medo de perder o trono para o futuro rei dos judeus.

Como o imaginário popular imagina o nascimento de Jesus

Como o imaginário popular imagina o nascimento de Jesus

É uma bonita história. Pena que esse relato tão conhecido não tenha ocorrido exatamente desta maneira segundo o próprio livro sagrado dos cristãos.

Na verdade, se utilizarmos somente a Bíblia como fonte, fica muito difícil dizer como teria ocorrido exatamente o nascimento de Cristo. Em mais um exemplo das contradições existentes nos textos bíblicos, os evangelistas relatam o fato de maneira distinta. Marcos e João nem chegam a falar do nascimento de Jesus, somente de sua vida adulta. E os relatos de Lucas e Mateus apresentam divergências entre si, alguma irreconciliáveis.

A visita dos famosos três reis magos, por exemplo, não é mencionada nos evangelhos. Mateus relata a visita de magos (sem mencionar o número deles) e Lucas fala simplesmente que pastores no campo vão venerar a criança após receberem a notícia de um ser angelical. O massacre de crianças inocentes narrado por Lucas e supostamente comandado por Herodes após o nascimento de Jesus não só não é encontrado em Mateus, como em nenhum outro evangelho e nem mesmo em qualquer outra fonte histórica da época.

Muitas outras diferenças podem ser encontradas entre uma narrativa e outra. Lucas menciona uma visita de anjos à Maria e à sua vizinha Isabel que não está em Mateus. Mateus relata a fuga para o Egito, a Santa Família desviando da Judeia no retorno a Nazaré, tudo isso ausente em Lucas. Lucas tem o nascimento de João Batista, o censo de César, a viagem a Belém, a manjedoura e a estalagem, os pastores, a circuncisão, a apresentação no templo e o retorno para casa imediatamente depois – tudo isso ausente em Mateus.

Poderia-se argumentar que na verdade cada evangelista está contando uma parte da história. E de fato, a narrativa que se ouve todo mês de dezembro ao se comemorar o natal parece ser uma fusão desses dois evangelhos, com a combinação de detalhes de um e de outro, de modo a criar uma história mais ou menos harmoniosa. Mas o problema é que, ao se fazer isso, se está na verdade criando um terceiro relato dos acontecimentos, que difere dos dois originais, e ignorando os detalhes que não podem ser conciliados entre os dois, como, por exemplo, quem era o governador local, que segundo Mateus era Herodes, e segundo Lucas, Quirino.

Além dessas diferenças, alguns detalhes hoje aceitos como fatos pela maioria dos cristãos nem mesmo são citados na Bíblia. A data de nascimento de Jesus, por exemplo, não é expressamente anunciada em local nenhum. Estudiosos das escrituras apontam que o mais provável é que Jesus tenha nascido próximo ao mês de abril. No entanto, há um motivo para se comemorar o natal no dia 25 de dezembro, do qual eu tratarei futuramente. Até mesmo o ano em que Jesus nasceu não é fácil de ser determinado, graças aos diferentes sistemas de marcação de datas utilizados após o fato, mas é quase certo que, apesar de o nosso calendário atual se basear em seu nascimento, o próprio Cristo tenha nascido entre os anos 6 e 4 antes de Cristo.

Muitas outras partes do novo testamento apresentam o mesmo problema. Ao serem comparadas lado a lado, diversas passagens que deveriam ser iguais ou pelo menos compatíveis entre si, apresentam discrepâncias. A genealogia de Jesus, seu batismo, milagres realizados, a duração de seu ministério, detalhes de sua morte: todos esses fatos e vários outros apresentam versões diferentes, algumas delas diretamente contraditórias, ao longo de todo o novo testamento.

E esse fato é facilmente explicado. Jesus, a exemplo de outros grandes pensadores, como Sócrates e Buda, não deixou registrado por escrito nenhum de seus feitos e ensinamentos. Aliás, alguns historiadores argumentam que isso seria até impossível, pois afirmam que Jesus provavelmente era analfabeto (assim como 90% dos habitantes da região à época). E é bem provável que seus seguidores, quase todos de origem e profissões humildes, a maioria pescadores, também o fossem. A propria Bíblia deixa claro que pelo menos Pedro e João eram iletrados (Atos 4, 13). Especula-se que Mateus, por ter sido cobrador de impostos para o Império Romano, fosse o único dos apóstolos alfabetizado em aramaico, mas mesmo assim, isso dependeria de sua posição hierárquica na administração imperial.

E de qualquer maneira, isso nem é tão relevante, já que todos os textos existentes no Novo Testamento foram escritos décadas ou séculos após Jesus e seus apóstolos terem passado pelo mundo. Inclusive os evangelhos. Apesar de cada um deles receber o nome de um apóstolo, é provável que nenhum dos textos tenha sido efetivamente escrito pelo seguidor que o batiza. O que nos leva a uma interessante pergunta…

QUEM ESCREVEU O NOVO TESTAMENTO?

Nos primórdios de seu surgimento, o cristianismo já era perseguido. O Império Romano, que dominava quase todo o Oriente Médio, considerava os cristãos subversivos por não cultuarem os seus deuses oficiais. Foi nesse clima de perseguição que os primeiros cristãos começaram a colocar no papel as histórias a respeito de Jesus Cristo, que até então eram passadas entre os adeptos da nova religião apenas através da tradição oral.

Por conta dessa atmosfera hostil, dificilmente as pessoas que escreviam a respeito dos ensinamentos de Jesus se arriscavam a serem identificadas assinando sua obra. Os evangelhos, por exemplo, foram todos escritos anonimamente. Os nomes de seus autores foram adicionados depois (“o evangelho segundo Mateus”), provavelmente por dois motivos: para evitar a perseguição aos seus verdadeiros autores e, principalmente, para assegurar aos leitores que as histórias ali contadas eram verdadeiras, tendo sido passadas às futuras gerações por testemunhas oculares dos fatos. No entanto, através da análise dos textos evangélicos originais é possível deduzir algumas coisas a respeito de seus reais escritores.

Em primeiro lugar, há um consenso entre os estudiosos da Bíblia de que quase a totalidade dos textos dos evangelhos originais foram escritos em grego, não em aramaico, como o antigo testamento. A maior parte dos seguidores do cristianismo à essa época não falava grego, eram falantes de aramaico, iliterados e de classe baixa. É bem provável também que os autores originais vivessem fora da Palestina, ou que pelo menos não tivessem muito familiaridade com a região, devido às incongruências geográficas e à ignorância a respeito dos costumes judeus existentes nos textos.

p52 - Um dos poucos pedaços dos evangelhos originais (nesse caso, João), escrito em grego

p52 – Um dos poucos pedaços dos evangelhos originais (nesse caso, João) ainda existentes, escrito em grego antigo

O fato de terem sido escritos por pessoas provavelmente bem instruídas e falantes de grego, de terem estilos diferentes entre si e de que os autores dos textos raramente identificam a si próprios faz com que seja improvável que a maioria dos livros do novo testamento tenha sido escrita por quem se afirma que foi. A maior parte dos estudiosos da bíblia hesita em rotular os textos bíblicos do novo testamento como fraudes – alguns preferem até o eufemismo “pseudoepigráfico”. Mas isso é uma questão de semântica. Sob qualquer ponto de vista é isso que eles são: fraudes. Um grande número de livros dos primórdios do Novo Testamento foram escritos por autores que alegavam falsamente serem apóstolos para enganar os leitores e fazê-los aceitar suas obras e os pontos de vista que defendiam.

Mas então, quem eram, afinal de contas, esses autores?

A verdade é que ninguém tem como saber exatamente quem escreveu o novo testamento. Dos 27 livros que o compõem, somente 8 deles podem ser atribuídos com certo grau de segurança aos autores que se supõem tê-los escritos. Nos primeiros séculos da era cristã o cristianismo estava se espalhando pela Europa, conquistando adeptos no Império Romano. Então é provável que os autores das histórias a respeito de Jesus e de seus discípulos tenham sido cidadãos do Império Romano, pertencentes à uma classe  social relativamente alta e que tinham interesse em converter seus compatriotas à nova religião que eles mesmos haviam acolhido.

O problema é que naquela época os livros não eram redigidos como são hoje em dia. Eles não eram reunidos em um único tomo, organizados, numerados, e encadernados. Na verdade eles não passavam de um amontoado de papiros avulsos, então uma mesma história poderia ter dezenas ou centenas de autores, que depois era unificada como uma colcha de retalhos. Quando muito, os textos da época eram enrolados em forma de pergaminho. Nesse caso então, se você quisesse saber o que seu Deus diz a respeito de algo ou consultar um pedaço específico das escrituras sagradas, tinha que desenrolar um pesado pergaminho até encontrar a passagem desejada. Imagine-se hoje em dia tendo que desenrolar um rolo de papel sempre que quisesse consultar uma parte de um texto…

O máximo de organização literária que você encontraria à época.

O máximo de organização literária que você encontraria à época.

Estas particularidades influenciaram diretamente no conteúdo do texto bíblico. Para manter a circulação das histórias a respeito de Jesus, a despeito dos extravios e deteriorações dos textos, os evangelhos eram continuamente copiados e recopiados por membros da igreja. Só que, como isso era feito manualmente por várias gerações de copiadores, diversas alterações acabavam sendo introduzidas nos textos originais, às vezes por descuidos, às vezes por erros de traduções e às vezes propositalmente, para se apoiar o posicionamento de quem transcrevia as cópias .

Um exemplo disso é a passagem em que Jesus salva a mulher adúltera do apedrejamento (João 8, 3-11).  Segundo especialistas, esse trecho foi inserido no evangelho de João por volta do século 3, por algum escriba. Isso porque o cristianismo estava divergindo do judaísmo e o apedrejamento de adúlteras era uma das leis judaicas presentes no Pentateuco. Assim, podia se passar a ideia de que, a partir de então, os ensinamentos de Cristo haviam superado até mesmo as leis judaicas.

Por volta do século 4, os textos sagrados começaram a tomar a forma de códice, um conjunto de folhas encadernadas mais parecido com os livros atuais. Isso fez com que o controle do conteúdo da Bíblia fosse mais fácil de ser mantido. Junto a esse fato, um outro acontecimento inesperado deu uma nova cara ao livro sagrado e de quebra ainda fez com que o novo movimento religioso deixasse de ser um mero culto e se transformasse na religião mais importante da cultura ocidental: a conversão de um imperador romano ao cristianismo. Mas isso já é um assunto para o próximo post…

ATUALIZAÇÃO: Veja a última parte do post aqui.

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Leitura Recomendada – A Bíblia Sagrada – Parte 1

A leitura recomendada de hoje é de um livro que eu acho que qualquer pessoa que se considere ateia deveria se dar ao trabalho de conhecer. A Bíblia Sagrada.

A Bíblia Sagrada - Uma das milhares de versões existentes

A Bíblia Sagrada – Uma das milhares de versões existentes

A importância de se conhecer a Bíblia não é tanto em razão do seu conteúdo, e sim pela influência que ela exerce em nossa sociedade.

Escrita (ou compilada) ao longo de séculos, este é com certeza o livro mais importante da cultura ocidental. Independente de se acreditar no que ele diz ou não, sua relevância não pode ser ignorada por ninguém nascido por esses lados do planeta.

Como qualquer obra literária, a Bíblia estimula o imaginário do leitor e tem o potencial de influenciar a forma de se enxergar o mundo. Muitos a leem em busca de uma inspiração para resolver problemas, vencer desafios ou à procura de conselhos sobre como levar uma vida melhor.

No entanto, além do aspecto positivo que sua leitura pode proporcionar, infelizmente há também um inegável prisma negativo que pode advir de seu conteúdo. Graças a passagens dúbias, interpretações controversas e uma fé inabalável dos fiéis em suas palavras, este mesmo livro pode ser utilizado por determinados grupos para justificar posições éticas e comportamentais que dificilmente poderiam ser defendidas por outros meios. Uma boa observação a esse respeito é feita pelo autor estadunidense Sam Harris, em seu livro “A morte da Fé”:

Precisamos começar a falar livremente sobre o que realmente existe nesses nossos livros sagrados […] Um exame mais minucioso desses livros, assim como da história, demonstra que não existe um ato de bárbara crueldade que não seja justificável, ou até mesmo ordenado, por uma consulta às suas páginas. É apenas fazendo grandes acrobacias para evitar certas passagens, cujo status canônico nunca foi questionado, que podemos deixar de assassinar uns aos outros em nome da glória de Deus.

A própria presença da Bíblia entre nós é quase universal. Afinal, ela é, com folga, o livro mais vendido do mundo, com seis bilhões de cópias comercializadas – quase uma para cada ser humano na Terra, superando em mais de sete vezes o número de vendas do segundo lugar, o livro vermelho de Mao Tsé-Tung. Quase todas as casas possuem pelo menos um exemplar. Muitos hotéis disponibilizam uma cópia em seus quartos. Passagens suas são mencionadas em diversas ocasiões, inclusive em discursos políticos, entalhadas em paredes, monumentos e lápides, e há até a possibilidade de se ouvir uma delas nas ruas e nos meios de transporte públicos, entoada por um eventual pregador. Acho muito improvável que qualquer brasileiro tenha conseguido passar a vida toda sem nunca ter ao menos ouvido falar desse livro em algum momento.

No entanto, apesar de sua quase onipresença em nosso convívio, encontrar alguém que tenha efetivamente lido a obra toda é, curiosamente, uma ocasião mais rara. Nem mesmo grupos sociais que se presume serem leitores assíduos do livro sagrado costumam exercer sua leitura completa. Uma pesquisa indica, por exemplo, que metade dos pastores evangélicos nunca leram a Bíblia toda. O mais comum é que se leiam ou memorizem passagens específicas, que podem vir a ser úteis em algum contexto, ignorando-se todo seu restante.

E esse comportamento é compreensível. Como literatura, o livro está longe de ser um primor ou mesmo atraente para um ocasional leitor. Sua narrativa é confusa, enfadonha e  inconsistente. Suas diversas traduções desvirtuaram o sentido de muitas passagens originais, que mesmo que tivessem sido fielmente adaptadas, seriam consideradas anacrônicas perante a sociedade moderna. As histórias contadas para explicar a origem do universo, do ser humano e a trajetória do povo escolhido por Deus – supostamente verídicas – alternam entre o inverossímil e o completamente fantasioso. Uma boa quantidade de tempo é perdido apresentando as árvores genealógicas de famílias hebraicas, o que era fundamental para a sociedade patriarcal baseada em clãs existente à época de sua elaboração, mas que não tem a mínima importância atualmente. E existem diversas contradições no texto, não só entre as diferentes versões do livro, mas em seu próprio conteúdo, como pode ser conferido aqui.

Mas então, por que, mesmo com tantas deficiências e defasagens, a Bíblia conseguiu chegar à época atual conservando tamanha influência perante a sociedade? Para tentar compreender esse fenômeno, primeiro é necessário conhecermos um pouco mais a respeito do livro sagrado e de sua história.

A ESTRUTURA DA BÍBLIA

A bíblia é composta por duas partes principais, o Antigo Testamento, que narra acontecimentos ocorridos antes do nascimento de Jesus Cristo, e o Novo Testamento, que conta os fatos havidos após este evento.

Cada um dos testamentos, por sua vez, é dividido em livros. O antigo possui 46 livros (39 na versão dos protestantes/evangélicos), e o novo possui 27 livros.

Cada grupo de livros da Bíblia tem um propósito específico. Os cinco primeiros livros do Antigo Testamento, por exemplo, formam o pentateuco (conhecido pelos judeus como Torá), que descreve a criação da Terra e define as leis do povo hebreu. Os 12 livros seguintes contam a história deste povo em busca da terra prometida por Deus, e assim por diante. O quadro a seguir mostra resumidamente a função de cada grupo de livros (clique na figura para aumentá-la):

A HISTÓRIA DA BÍBLIA

Segundo as doutrinas defendidas pela maioria dos religiosos, a Bíblia é a própria palavra de Deus, direcionada à humanidade. No entanto, até mesmo eles admitem que essa palavra só pôde ser colocada no papel por intermédio de homens comuns.

De acordo com a tradição judaico-cristã, cada livro da Bíblia foi escrito por um autor específico, supostamente inspirados pela sabedoria divina. Os profetas seriam, então, uma espécie de secretário que transcrevia o que Deus ditava em suas mentes. O Pentateuco teria sido escrito pelo profeta Moisés, os Salmos pelo rei Davi, e assim por diante. No entanto, a maioria dos pesquisadores da história da Bíblia afirma o contrário: que cada um dos livros foi escrito por diferentes autores, em diferentes épocas sendo, em seguida, compilados em um só texto.

É provável que  o primeiro esboço do que viria a se tornar a primeira parte da Bíblia tenha sido escrito por volta do século 10 a.C., em algum lugar do Oriente Médio, na então chamada Terra de Canaã. Alguém pegou um pedaço de uma planta importada do Egito – o papiro – e começou a escrever uma história a respeito da origem do universo e do homem. Essa história depois foi sendo ampliada, rasurada, revista e editada por diversos outros autores que deram continuidade a esse trabalho.

Região de Canaã, onde surgiram os primeiros esboços da Bíblia.

Canaã não era um Estado organizado, e sim uma região sem fronteiras definidas, por onde passavam várias tribos diferentes. Isso explica a semelhança entre algumas passagens bíblicas supostamente escritas pelos hebreus, e outras histórias fantásticas que rondavam a região, advindas de outros povos. Um exemplo é a história de Noé, que apresenta uma notável semelhança com a Epopéia de Gilgamesh, um poema originado na antiga Mesopotâmia (atual Iraque) que conta a história do semideus Gilgamesh e que contém uma passagem que menciona uma enchente que devasta o mundo, e da qual algumas pessoas são salvas construindo um barco.

É claro que a semelhança entre essas histórias, além de outras que compõem outras culturas, e as narrativas contadas na Bíblia, não significa que o livro sagrado seja uma mera compilação de lendas plagiadas de outros povos. Apenas sugere que os autores dos textos que deram origem à Bíblia eram pessoas variadas, e que alguns deles tinham contato direto com outras culturas da região, sendo inclusive possível que alguns deles até mesmo fossem integrantes de outros povos.

Essa multiplicidade de autores também explica o fato de a Biblia possuir diferentes estilos de escrita ao longo de seus textos. Isso é notável já nos dois primeiros livros, Gênesis e Êxodo. O deus criador da Terra é chamado por dois nomes diferentes, ora sendo tratado por Javé ou Jeová (Yahveh, no original), que seria um tratamento mais informal, ora sendo chamado de Senhor ou Deus (Elohim, no original), que seria um modo mais formal de se dirigir a ele. Segundo os estudiosos do assunto, o fato de haver no mínimo dois autores responsáveis por essas partes seria uma explicação plausível para essa discrepância, já que é improvável que àquela época um mesmo autor fosse se referir a uma divindade de maneiras diferentes em um mesmo texto.

No ano de 589 a.C., Jerusalém, a capital dos hebreus, foi conquistada pelos babilônios, e boa parte de sua população foi levada como prisioneiros de guerra para território babilônico, onde fica o atual Iraque. Algumas décadas depois, o imperador babilônico Ciro, que possuía certa tolerância religiosa, liberou os hebreus, que foram voltando aos poucos para Canaã, porém com sua fé transformada pelo contato com os babilônicos, que seguiam uma religião chamada de masdeísmo.

O masdeísmo, ou Zoroastrismo, religião fundada pelo profeta Zaratustra na antiga Pérsia (atual Irã) em meados do século VII a.C. exerceu considerável influência nos textos bíblicos. A doutrina do Zoroastrismo foi notavelmente a base de praticamente todo o mito da Criação presente na Bíblia, pois foi ela quem concebeu idéias como a de um ser poderoso criando o mundo em seis dias e descansando no sétimo e a formação de um paraíso na Terra, onde foram colocados dois seres humanos que de lá foram expulsos em seguida, e onde também havia uma cobra traidora. O Zoroastrismo também foi o precursor de ideias que viriam a ser fundamentais para a mitologia bíblica, como a do monoteísmo, a ressureição, a dicotomia da luta entre o bem e o mal e a vinda de um messias como prenúncio do juízo final.

Zaratustra, profeta fundador do Zoroastrismo

Representação artística de Zaratustra, profeta fundador do Zoroastrismo

A versão final do Pentateuco tomou forma por volta do século IV a.C., quando um religioso chamado Esdras liderou um grupo de sacerdotes que editaram os livros já existentes e escreveram a maior parte do Deuteronômio, Números e Levítico, inclusive a famosa parte dos 10 testamentos. A partir dessa reforma, Jeová começa a ganhar um ar belicoso, vingativo e sanguinário, ordenando, inclusive, o extermínio de cidades inteiras em seu nome. Atos que soariam abomináveis a qualquer ser humano moderno parecem aceitáveis ou até mesmo estimulados pela entidade divina hebraica. Aparentemente até mesmo lançar ursos selvagens para destroçar crianças inocentes, cujo único pecado teria sido conhecer outras crianças que zombaram da careca de um profeta:

Então, subiu dali a Betel; e, subindo ele pelo caminho, uns rapazes pequenos saíram da cidade, e zombavam dele, e diziam-lhe: Sobe, calvo, sobe, calvo.

E, virando-se ele para trás, os viu e os amaldiçoou, no nome do SENHOR; então, duas ursas saíram dos bosques e despedaçaram quarenta e dois daqueles pequenos.

II Reis 2, 23-24

Encantador esse deus bíblico, não? Esse rancor gratuito atribuído ao todo poderoso pode ser reflexo do momento histórico que os hebreus passavam, em constantes guerras com seus vizinhos babilônicos e assírios. Assim, o clamor bélico e sanguinário presentes nesta parte das escrituras seria uma forma de estimular os hebreus a se unirem em torno de sua fé contra inimigos que mereciam o desprezo até mesmo de um suposto deus verdadeiro.

A essa altura, a fé também já exercia um grande papel no controle social ao estipular regras que deveriam ser seguidas por todos, algumas para manter a coesão do grupo (como a que proibía o casamento entre hebreus e não-hebreus), outras que supostamente visavam impor a aplicação de atitudes saudáveis (como as que vetavam a ingestão de certos alimentos) e outras que pareciam ser meramente cerimonialistas, sem nenhuma função prática aparente (como a que proibía o uso de vestimentas cerzidas com dois tecidos diferentes).

Por volta de 220 a.C. o conjunto de livros sagrados dos hebreus já estava finalizado e foi realizada então a primeira tradução completa do que hoje é chamado de Antigo Testamento, do hebraico para o grego, na cidade de Alexandria, no Egito, feita por ordem do rei Ptolomeu II. Supostamente realizada por 72 sábios judeus, essa versão ganhou o nome de septuaginta. Além da tradução para o grego, também surgiram versões do Antigo Testamento em aramaico, que era a língua mais comum na região à época.

Após dois séculos, a versão em aramaico do Antigo Testamento (que à essa época obviamente não era conhecido por esse nome) tornou-se muito popular, sendo a mais lida na Judéia, na Samária e na Galiléia (atuais Israel e Palestina). E foi nesse ponto que surgiu uma nova personagem bíblica que iria mudar totalmente os rumos dessa história: Jesus Cristo.

E este é um assunto que será tratado em breve, na segunda parte desse post.

ATUALIZAÇÃO: Veja a parte seguinte do post aqui.

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